Não é só uma bola, é uma profissão

O início no futebol profissional começa no campinho

MARIANA GOMES E ISADORA FERRAZ

Muitos afirmam que o futebol é a paixão nacional. E é mesmo? Não há dúvidas de que os clubes brasileiros investem pesado em seus “meninos de ouro”. Vão de crianças, que mal aprenderam a andar, até os times da terceira idade, apaixonados pelo mesmo esporte. Se o futebol causa toda essa comoção, não é difícil entender como um menino começou sua escalada para um dos desportos mais aclamados do mundo.

É quarta-feira, o sol queima a nuca das pessoas, que abaixam a cabeça na tentativa de ser proteger da claridade e do calor. Apesar disso, há uma pequena aglomeração no meio do campo, onze jogadores estão aquecendo para um jogo que nada define (é um amistoso entre clubes), mas que já vale pontos na avaliação técnica dos garotos.  Destacado entre eles, com uma bola embaixo do pé esquerdo, um menino olha para o céu encarando-o, poderia estar se concentrando ou até mesmo desafiando o sol a interferir no seu desempenho em campo.

Alguns metros acima, uma mãe conversa despreocupadamente sobre a qualidade do time e do seu filho. Ao ser questionada se não se preocupa com a possibilidade do filho se machucar ela nem arrisca em pensar “ele é o cai-cai do time, ele sabe quando provocar uma falta mesmo que pra isso ele caia”.

Um apito interrompe a concentração do menino no campo. Ele se desloca para a lateral esquerda, onde hoje vai ser seu ponto de atuação, enquanto cobre o rosto com um mão faz sinal de positivo para alguém a sua frente. O jogo vai começar.

Apolônio treina todos os dias após a escola, seu foco está no campeonato. Foto: Mariana Gomes

A função do time sub 15 do Campinas Futebol Clube neste jogo, não é entrar matando em campo. Não, hoje eles só vão colocar em prática o que o técnico ensina todos os dias e avaliar onde podem melhorar. Enquanto o jogo esquenta, Apolônio não tem muito que fazer, a bola permanece no centro de campo sem risco de gol para nenhum dos times, mas isso não é problema, o treinamento começou cedo. Apolônio iniciou com 13 anos e já alcançou muito mais coisas que muitos atletas por aí. Aos 15 já passou pela Escolinha do Flamengo Futebol Clube, onde iniciou sua carreira como jogador, e no ano seguinte já era destaque do ano na categoria de pré-equipe, o que lhe proporcionou sua primeira avaliação profissional no time do Flamengo em 2015.

O jogo de hoje é mais um dos amistosos pelos quais todos os clubes passam antes do campeonato. A disputa é entre Campinas e Caravelas. Ambos os times do sub 15, os dois com jogadores aspirantes do futebol, ambos com o mesmo objetivo. Todos querem seguir, dar um passo a frente e se tornar jogador profissional.

Time sub 15 do Campinas Futebol Clube. Foto: Mariana Gomes

Os jovens jogadores para seguir para a próxima etapa fazem algo semelhante a uma escola, passam por um processo para sair da escolinha, de lá eles vão para a pré-equipe, da pré -equipe para a base e da base para o time profissional. “Geralmente é por meio de avaliação ou é agendado aqui no próprio clube ou é algum dia específico que o clube marca pra que possa fazer esse olhar clínico, porque aí toda a comissão técnica está observando, a gente verifica questão de fundamento, se o atleta consegue conduzir a bola, toque de bola, finalização, além de força física e de posição e posicionamento tático”, ou como no caso do Apolônio “o atleta vem por indicação alguém falou, olha tem um atleta com as seguintes características e era aquilo que eu precisava no momento, eu pedi pra ver e daí pra frente eu fiz a observação na questão de qualidade técnica, força física, etc”, é assim que começa, diz Wilker Marcelino de Bas,  27 anos, treinador do Campinas F.C.

A maioria dos jogadores tem uma história no futebol parecida, com Apolônio Prata Lemes não é diferente. A história geralmente começa nos campinhos de futebol da rua, aquele mesmo que só tem terra e que a cada bicuda e levantar de pés suspendem uma nuvem de poeira. Aquele mesmo campinho onde os meninos jogam, só por jogar, e que certamente já arrancaram o tampo do dedo na tentativa frustrada de chutar a bola. E quem é que liga para o detalhe de um tampo de dedo quando o jogo está rolando? Jogam um pouquinho de água e seguem adiante, sabendo eles que quando se joga para valer o que está jogo é o futuro. Futuro esse que começa ali, no campinho da rua debaixo, no lote baldio, na quadra da escola ou até mesmo num pedaço de asfalto na rua de casa.

Logo depois do campinho, vão para a escolinha de futebol, é lá que eles aprendem o básico. Mas são meninos, eles têm sim uma colher de chá, Wilker explica porque “você tem que ter uma sequencia pedagógica, determinado exercício ou fundamento e de acordo com a idade vai ficando mais complexo os exercícios e as metodologias de trabalho. Os atletas profissionais são mais cobrados em questão de academia, os exercícios, biomecânica do movimento e o apoio em si que para os profissionais são bem maiores do que os do sub15”.

Os jogos, até o sub 17, têm dois tempos de 35 minutos cada, diferente do profissional que tem 45 minutos cada tempo. Mas, essa diminuição no tempo de partida é só para os jogos não oficiais.

Chega a hora do intervalo e os meninos aproveitam para bever água, enquanto os pais e torcedores permanecem nas arquibancadas. Francirlene é a mãe do Apolônio e fala com orgulho ao ser questionada sobre o futuro do filho. E  se ele for convocado para um time longe daqui? “Nós vamos juntos. O nosso lugar é onde o Apolônio estiver”, ela afirma. Você larga tudo e vai? “Na hora”, enfatiza Francirlene. “A gente tem de apoiar, já vi muitos jogadores por aí que se frustram porque os pais prendem, nós não somos assim”, confirma o pai, Gleisson.

O jogo no primeiro tempo já marca 6 a 0 para o Campinas e Apolônio só caiu uma vez. Francirlene, que está acompanhando o jogo, diz que é normal “o Apolônio é igual ao Neymar, vive caindo, é normal, eles conhecem as regras muitas vezes eles provocam falta e a queda é inevitável e por ser titular é mais normal ainda”. No entanto, é comum também ouvirmos os pais gritando com o meninos no campo, gritos de apoio e de crítica “acontece isso demais, os pais que ficam, aqui, brigando e xingando. Tem umas mães barraqueiras que só vendo. As crianças mesmo não brigam, mas os pais… teve até uma vez que um pai chamou o juiz de urubu, parou o jogo e quase virou caso de polícia. Virou aquele rolo” Francirlene conta, lembrando algumas histórias de jogo.

No campo, o respeito é grande, eles aprendem a ajudar uns aos outros, não é estranho ver um adversário derrubando outro e voltando pra ajudar a levantar. São éticas aprendidas na escolinha, na pré-equipe até que chega uma hora em que já é automático, independente de quem esteja caído, eles vão lá e ajudam.

Alguns momentos após o início do segundo tempo, um menino de uns quatro anos corre, no meio dos reservas, na beirada do campo. O menino é o irmão caçula de Apolônio, o pequeno Isaque, que já começa a sonhar com a carreira do futebol também. Da mesma maneira que a Ana Caroline de sete anos, sonha em entrar para um time de futebol feminino. E pra quem acha que a mãe vai achar ruim, se engana, ela dá todo apoio “se quiser ir, vai” diz, como que abençoando os filhos na decisão deles.

E a vaidade que os jogadores têm com o cabelo? “a gente gosta de cuidar da aparência”, Apolônio diz despreocupado, “esse é só um detalhe, o que importa é o jogo”, termina. O que importa é o jogo, esse é o lema de muitos jogadores, mas eles têm a consciência de que começaram por algum lugar e guardam na memória aquele momento em que decidiram que queriam o futebol como profissão. Agora, depende deles o rumo que suas vidas vão tomar.

O jogo termina em 8 a 0 para o Campinas F.C. Hoje, foi só um amistoso, mês que vem é o campeonato, quem sabe é lá que eles sobem mais um degrau desse esporte tão bem amado pelo mundo.

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